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Lei do superendividamento: primeiras impressões

Em trâmite desde 2015, o projeto da chamada Lei do Superendividamento (Lei n. 14.181/21), foi aprovado pelo Senado Federal em 10/06/2021 e sancionado pela Presidência da República em 02/07/2021. A nova Lei altera disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078/90) e do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).

O art. 54-A da Lei conceitua o superendividamento como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

A Lei prevê medidas de prevenção do superendividamento por meio da educação financeira dos consumidores e da proibição de práticas enganosas usuais no mercado. Passa a ser vedado, por exemplo, indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor.

A Lei reafirma a necessidade de clareza por parte das instituições financeiras a respeito da taxa de juros aplicada, dos encargos por atraso no pagamento, do número total de parcelas a serem pagar, do direito de antecipar o pagamento das prestações sem novos encargos e do valor do empréstimo ou da venda a prazo com e sem financiamento. 

A nova legislação traz, ainda, uma proteção especial ao consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada, de assédios ou pressões para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito.

Outra importante modificação é a vedação de débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia que envolva tal quantia, desde que o consumidor tenha notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura.

As instituições financeiras não poderão condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas de acordo à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

Além disso, a Lei trata da renegociação de dívidas pela via judicial ou administrativa, prevendo procedimento especial para recuperação do consumidor superendividado, o chamado processo de repactuação de dívidas.

O procedimento prevê a conciliação em bloco entre credores e devedor, podendo esse último apresentar plano de repactuação das dívidas, com prazo máximo de cinco anos para quitação, no qual deverá constar, obrigatoriamente, (a) as medidas de dilação dos prazos de pagamento de redução dos encargos, (b) a suspensão ou extinção das ações judiciais em curso, (c) a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes e (d) o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento. Havendo acordo, ele será homologado pelo juiz e terá força de título executivo.

Não havendo acordo, caberá ao juiz, a pedido do consumidor, instaurar processo por superendividamento, no qual será feita a revisão dos contratos e a repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório, que também terá prazo máximo de cinco anos para cumprimento. O juiz poderá contar com o apoio de um administrador judicial cuja nomeação, conforme estabelece a Lei, não poderá onerar as partes.

O pedido feito pelo consumidor não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de dois anos a contar da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de repactuação pelas partes (§5º do art. 104-A). É certo que a Lei do Superendividamento vem em boa hora, especialmente considerando a altíssima taxa de endividamento do brasileiro que, conforme dados do Serasa, chega a quase 62 milhões de inadimplentes. Contudo, a nova legislação não é isenta de críticas. O uso de conceitos indeterminados como “mínimo existencial” e a definição de um procedimento especial que não detalha de forma clara questões processuais básicas (exercício do contraditório, produção de provas, recursos, pagamento do administrador judicial etc.), certamente será fonte de dúvidas nesse primeiro momento de aplicação da Lei. Apenas o tempo e a prática nos dirão se a nova legislação cumpriu com aquilo que propôs.

Behlua Ina Amaral Maffessoni OAB/MG 136.640