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Testamento em época de pandemia

Testamento é ato jurídico, solene, unilateral, personalíssimo e revogável, através do qual uma pessoa (testador) expressa sua vontade, seja em relação à distribuição dos seus bens, seja em relação a questões pessoais e morais, tais como: reconhecimento de filho; reconhecimento de união estável; nomeação de tutor; confissão de dívida; dispensa de colação de bens doados anteriormente; orientações e disposições especiais sobre o seu sepultamento, etc., para ser cumprido após a sua morte.

Os benefícios do ato são muitos, mas, principalmente, evita que conflitos por herança ocorram, já que a manifestação expressa da vontade do falecido foi materializada e deve ser seguida, podendo, assim, ser crucial para o bom relacionamento entre os familiares que a ele sobreviverem.

O testador deve ser pessoa capaz e maior de 16 anos.

A manifestação de última vontade deve se adequar aos requisitos exigidos pela modalidade de testamento escolhido e obedecer às inúmeras limitações impostas por lei em relação a existência de herdeiros necessários; às pessoas contempladas; às testemunhas; à figura do testamenteiro, se houver, etc.

No ordenamento pátrio brasileiro temos duas formas de testamento: o testamento ordinário, que compreende três modalidades: público, cerrado e particular. E o testamento especial, que também compreende três modalidades: marítimo, aeronáutico e militar.

A forma mais comum e que oferece mais segurança ao testador é, sem sombra de dúvidas, o testamento público. Esta modalidade segue formalidades rigorosas: deve ser escrito ou transcrito pelo tabelião em livro de notas de acordo com as declarações do testador; tem que ser lido em voz alta na presença do testador e de 02 (duas) testemunhas e, por fim, assinado por todos e registrado em livro próprio.

Apesar de ser um instrumento extremamente eficaz, revogável (mudando a situação, o instrumento pode ser alterado ou revogado pelo próprio testador quando e como quiser) e de amplo uso em vários Países, no Brasil nunca foi muito utilizado.

Foi necessário que o brasileiro se deparasse com a triste realidade infligida pela pandemia de COVID-19 para que passasse a pensar de forma mais efetiva em seu planejamento sucessório, o que trouxe umsubstancial e inédito aumento no número de registros de testamentos, de acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil.

Além da preocupação real com as consequências do vírus, tal crescimento pode também sua creditado à publicação do Provimento nº 100, do Conselho Nacional de Justiça, de 26 de maio de 2020 [1], que estabeleceu normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos em todos os tabelionatos de notas do País por meio da plataforma e-Notariado – com a realização da videoconferência notarial para captação da vontade das partes e coleta das assinaturas digitais, o que contribuiu sobremaneira para a desburocratização e agilidade do ato de testar.

É bom registrar que a possibilidade de lavrar um testamento público por videoconferência não altera em nada as nomas previstas no Código Civil sendo que, a fim de garantir a necessária segurança jurídica, a gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo: a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes, atestadas pelo tabelião de notas; b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública; c) o objeto e o preço do negócio pactuado; d) a declaração da data e horário da prática do ato notarial; e e) a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato notarial.

Independentemente da forma escolhida pelo testador e apesar do testamento ser um instrumento acessível, as formalidades processuais ou procedimentais e as regras sucessórias devem ser rigorosamente observadas e cumpridas e as variantes – que são muitas – devem ser analisadas e consideradas caso a caso para que se atinja o objetivo do testador.

Muito embora não seja necessária a presença de advogado para a elaboração de testamento, é a assistência jurídica deste profissional que fará com que o testador compreenda os pormenores que envolvem o ato e a garantia da eficácia da sua vontade.

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[1] Provimento CNJ nº 100 de 2020: Art. 4º. Para a lavratura do ato notarial eletrônico, o notário utilizará a plataforma e-Notariado, através do link www.e-notariado.org.br, com a realização da videoconferência notarial para captação da vontade das partes e coleta das assinaturas digitais. (…) Art. 16. Os atos notariais eletrônicos reputam-se autênticos e detentores de fé pública, como previsto na legislação processual. Parágrafo único. O CNB-CF poderá padronizar campos codificados no ato notarial eletrônico ou em seu traslado, para que a informação estruturada seja tratável eletronicamente. Art. 17. Os atos notariais celebrados por meio eletrônico produzirão os efeitos previstos no ordenamento jurídico quando observarem os requisitos necessários para a sua validade, estabelecidos em lei e neste provimento. Parágrafo único. As partes comparecentes ao ato notarial eletrônico aceitam a utilização da videoconferência notarial, das assinaturas eletrônicas notariais, da assinatura do tabelião de notas e, se aplicável, biometria recíprocas.

Juliana Foscarini de Almeida OAB/MG 60.235