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Federações partidárias: uma mudança abrupta e polêmica

Dentre as medidas que mais suscitaram polêmica em meio à série de alterações à legislação eleitoral promovidas neste ano, destaca-se a da Lei nº 14.208/2021, que introduziu na Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) a figura da federação partidária, mecanismo por meio do qual “dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária”

Assim, os partidos integrantes da federação poderão atuar como se fossem apenas um, e essa união deverá necessariamente se repetir nos âmbitos nacional, estadual e municipal, para eleições majoritárias e proporcionais e por, no mínimo, quatro anos. Por esse motivo, a princípio, as federações formadas para as eleições gerais de 2022 continuariam válidas para as eleições municipais de 2024.

Essa espécie de vínculo, porém, não se confunde com os mecanismos da fusão e incorporação de partidos, que possuem natureza definitiva. O primeiro, fusão, caracteriza-se pela união de siglas em uma nova organização, com extinção das legendas anteriores e criação de uma nova identidade, enquanto o segundo, incorporação, mantém a legenda incorporadora. O novo instrumento da federação, por outro lado, não retira a identidade e autonomia ideológica das organizações partidárias, preservando as siglas que nela se integrarem.

Para criação da federação, que só poderá ocorrer até a data final do período de realização das convenções, os partidos interessados deverão encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral cópia da resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada uma das agremiações integrantes, a ata de eleição do órgão de direção nacional da federação e, também, cópia do programa e do estatuto da federação constituída, em que deverão estar previstas as regras para composição da lista para as eleições proporcionais. 

Uma vez firmada, os partidos integrantes não poderão abandoná-la antes do fim do período de mínimo de quatro anos, já que, nesse caso, a agremiação desertora estará sujeita a sanções como a proibição de ingressar em nova federação, de celebrar coligação nas duas eleições seguintes e, inclusive, de utilizar o fundo partidário até o final do prazo mínimo remanescente. 

Além disso, essa federação se estenderá, inclusive, à atuação perante as casas legislativas, no próprio exercício dos mandatos, sendo aplicáveis a ela todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária.

Muitos vêm apontando criticamente o ineditismo do novo modelo instituído por meio de lei ordinária, que, de fato, não encontra precedente no sistema normativo pátrio e que, a princípio, parece ser uma tentativa de burlar a proibição às coligações proporcionais e driblar as cláusulas de desempenho estabelecidas pela Emenda Constitucional 97 de 2017.

Realmente, nesse contexto, a alteração na lei serve para proteger as agremiações de menor porte, já que,conforme as atuais regras vigentes, somente poderão ter acesso aos recursos do Fundo Partidário os partidos que, na legislatura seguinte às eleições do ano que vem, obtiverem 2% dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação com, no mínimo, 1% dos votos válidos em cada uma delas, ou que elegerem ao menos 11 deputados federais distribuídos em um terço dos estados. Caso contrário, os partidos com desempenho insuficiente ficariam sem recursos e, portanto, com grandes chances de se tornar inviáveis financeiramente.

Por isso, há também os que, em sentido diverso, avaliam de forma positiva a nova regra, apontando sua importância para a preservação do pluripartidarismo no cenário político nacional, especialmente por se tratar de um mecanismo que, embora se preste a realizar a concentração partidária, possui reversibilidade e confere sobrevida a partidos menores, até então os beneficiários diretos da norma.

Em meio a esse debate, os artigos 1º, 2º e 3º da referida Lei 14.208/2021 são, agora, objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ainda pendentes de julgamento. Nelas, os autores sustentam a tese de que, além de inconstitucionalidades formais na aprovação do projeto que deu origem à lei, haveria também violações materiais à Constituição pelas normas impugnadas, como a própria vedação à formação de coligações nas eleições proporcionais e, também, à proibição de verticalização das coligações, ambas tratadas pelo §1º do art. 17 da CRFB/88. 

Ainda assim, é certo que, embora detenha alguma semelhança com as coligações quando observado apenas seu aspecto eleitoral, a ideia de uma federação partidária é significativamente mais abrangente, com efeitos mais duradouros. 

A ver, então, qual será o entendimento adotado quanto a essa novidade legislativa, que, caso sobreviva ao controle de constitucionalidade pelo STF, certamente impactará e estabelecerá novo panorama ao meio político nacional nos próximos anos.

André Pinheiro Mendes OAB/MG 197999